Opinião

Explorando o Pré-Sal: Partilha X Concessão no Brasil

Análise econômica dos dois regimes mostra que equivalência partilha/concessão, para efeito da renda do Estado, não se verifica

Atualizado em

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  • Por César Mattos[1]

O regime de partilha para a exploração de petróleo e gás no pré-sal, introduzido pela Lei n° 12.351/10, foi comemorado como um avanço do marco regulatório em relação ao modelo de concessão em função do risco menor, rentabilidade maior, além de possibilidade de intervenção mais ampla do Estado.

Na concessão vence o licitante que oferece maior “bônus de assinatura”. Já na partilha, o “bônus de assinatura” não serve de critério, sendo pago à União em um valor fixo definido no edital de licitação. O que servirá de critério na licitação da partilha será a parcela do “excedente em óleo” da União. Na concessão, há a “participação especial”, inexistente na partilha.

Mas, afinal, qual a vantagem de a União receber óleo na partilha em lugar de receber Reais na concessão? Há cinco variáveis que definem os lances na licitação: i) a quantidade de óleo esperada; ii) o custo esperado; iii) os preços esperados; iv) as variâncias das variáveis anteriores; v) o comportamento esperado dos outros licitantes, ou seja, a concorrência esperada no leilão.  Estas variáveis se comportam de forma igual tanto na partilha quanto na concessão.

Na partilha, os lances dos licitantes em excedente em óleo irão descontar os royalties e o bônus de assinatura e irão mirar no valor presente esperado que o excedente em óleo deve gerar em Reais. Na concessão, os lances dos licitantes em bônus de assinatura irão descontar os royalties e as participações especiais e irão igualmente mirar no quanto de valor presente esperado se espera receber. Em ambos os casos se mira o mesmo valor presente esperado.

Bônus de assinatura maiores (menores) no edital da partilha representarão lances menores (maiores) de “excedente em óleo”. Já participações especiais maiores (menores) no edital da concessão representarão lances menores (maiores) de bônus de participação. Um compensará exatamente o outro, sendo que, em ambos os casos, o objetivo é o valor presente esperado. Quanto maior a concorrência esperada no leilão, menor o valor presente esperado que os licitantes irão mirar.

Os royalties são maiores no caso da partilha (15% da produção) do que na concessão (10% da produção). Isso implicará naturalmente um maior desconto no excedente em óleo no caso da partilha para se chegar ao mesmo valor presente esperado, que definirá os lances dos licitantes.

Daí que não há razão para os ganhos esperados da empresa e do governo sejam diferentes entre partilha e concessão em função tão somente das variáveis distintas que servem de critério na licitação em cada arranjo (excedente em óleo x bônus de assinatura).

Vejamos um exemplo numérico. Suponha no quadro abaixo, a situação de concessão na primeira linha e a de partilha na segunda.

Nos dois casos, assumimos dois períodos (t=0,1), o primeiro em que se realiza a licitação e o segundo em que se explora o campo e se realizam as receitas e custos. Do primeiro para o segundo período, o desconto será r=10%.

Em ambos os casos, concessão e partilha, a quantidade esperada é de 100 barris (coluna A), o preço esperado é de $ 10 (coluna B) e o custo em óleo esperado $ 2 (coluna C). Vejamos inicialmente a concessão.

Na coluna “D”, teremos a receita líquida do concessionário que será 100*($10-$2) = $800. Suponha que a participação especial foi fixada no edital em 10% (coluna E), sendo os royalties definidos em 10% (coluna F). Os lucros esperados serão dados na coluna “G” descontando da receita líquida a participação especial e royalties que incidem sobre tal receita, atingindo R$ 640. Como os lucros se realizam no período “1”, o valor presente dos lucros do concessionário em t=0 será obtido dividindo este valor por 1,1, (dado que r=10%) chegando a $ 581,8 na coluna “H”.

Este será o valor máximo que cada licitante estará disposto a dar como bônus de assinatura na licitação do campo. Vamos assumir nos dois casos, concessão e partilha, que o leilão é bastante competitivo e, portanto, o lance vencedor do bônus de assinatura será exatamente o valor presente dos lucros em t=0, $ 581,8 na coluna “I”.

Na coluna “J” calculamos o total máximo obtido pela União, Estados e Municípios na concessão.  Este valor será dado primeiro pelo bônus de assinatura no período “0” ($581,8). No período 1, acrescem-se mais os 10% da participação especial na receita líquida (0,1*800) mais os 10% dos royalties também na receita líquida (0,1*800). Somando os três itens (Bônus, Participação Especial e Royalties) teremos o valor de J = $ 727,3, que é o total obtido pelos três entes da federação na concessão.

Agora vejamos o caso da partilha na linha abaixo na tabela. A nova receita líquida deve descontar a quantidade de 100 pelo percentual de “x” que será dado na licitação como o lance em “excedente em óleo”. Assim, a receita líquida em “D’” será dada por 100*(1-x)*(10-2) = 800(1-x).

Na partilha não há participação especial e os royalties na coluna “F” são maiores que os da concessão, atingindo 15%, um valor total de F´= (0,15*800=)120, sendo uma parte paga pelo contratado igual a F´´=F´*(1-x) = 120 * (1-x) e a outra paga pelo próprio governo federal igual a F´*(x) = 120 * (x).

Os lucros esperados em G´ serão dados pelo valor da receita líquida em D´ subtraído pelos royalties pagos pelo contratado F´´. O valor presente esperado destes lucros obtidos no período “1”, D´-F´´ será descontado por 1,1 em H´=G´/(1+r).

Supomos que é fixado no edital da partilha um bônus de assinatura a ser pago no período “0” de I´= $ 300. Assumimos que na partilha também haverá um leilão competitivo em que todos os rents dos licitantes são dissipados. Assim, cabe saber qual o valor do percentual do excedente em óleo “x” consistente com essa hipótese.

Note-se que H´ estará ainda em função do percentual do excedente em óleo “x”. Para achar “x”, subtraímos esta expressão em “H´” do bônus de assinatura “I´’ e igualamos a zero de forma consistente à hipótese de leilão plenamente competitivo, gerando a seguinte equação:

 

(800 *(1-x)(0,85))/1,1  - 300 = 0

680 (1-x) -300 *(1,1) = 0

680 -330 = 680 x

x= 51,47%.

 

Ou seja, o máximo que os licitantes estariam dispostos a dar nesse leilão do percentual em excedente em óleo seria x=51,47%. Substituindo este valor nas expressões acima, achamos a receita líquida D´= 388,2, os royalties pagos pelo contratado de F´´=58,2, os lucros esperados, G´, de $ 330 e o valor presente esperado dos lucros em “0” de $ 300.

Para chegarmos nos valores obtidos pela União, Estados e Municípios somamos o bônus de assinatura fixo de $ 300 pagos no período “0”, aos royalties que são 0,15 da receita líquida, que já desconta o excedente em óleo que vai para a União de x=51,47% e o próprio valor do excedente em óleo, estes obtidos no período “1”. Chegamos ao mesmo valor de transferência para o Estado da concessão de J´= $ 727,27.

Ou seja, J=J´, mostrando haver plena equivalência da perspectiva do Estado sobre o quanto será recebido, seja na concessão (J), seja na partilha (J´).

 

Quadro I - Equivalência Financeira entre Concessão e Partilha

Variáveis do Quadro I

A - Quantidade Esperada em Óleo (Barris)

B - Preço Esperado em Óleo (Barris)

C- Custo Esperado em Óleo (Barris)

D - Receita Líquida = A*(B-C)

E- Participação Especial =0,1*D

F - Royalties = 0,1*D

G - Lucros Esperados em "1" = D-E-F

H - Valor presente Esperado dos Lucros em “0”=G/(1+r)

I - Bônus de Assinatura Bid Max =H

J - Valor Presente Total Esperado para o Estado na concessão em “0” =I+(E+F)/(1+r)

D´ = A*(1-x)*(B-C)

F´ - Royalties em Partilha 0,15*A*(B-C)

F'' - Royalties em Partilha pagos pelo privado 0,15*A(B-C)(1-x)

G´ = D´-F´´

H´= G´/(1+r)

I´= Bônus de Assinatura definidos no edital 300

x= Bid max em excedente em óleo dado pelo lucro esperado em t=0 igual a zero

J' - Valor Presente Total Esperado para o Estado na partilha em “0” =I´+(D´+F'')(1+r)


A diferença quanto aos valores recebidos pelo Estado entre concessão e partilha ocorre não nos valores esperados (
ex-ante), mas nas mudanças inesperadas ex-post nas variáveis realizadas de i, ii e iii. Se a quantidade de petróleo/gás no campo, por exemplo, acabar sendo bem maior (menos) que a esperada e/ou o preço subir mais (menos) que o esperado e/ou o custo da extração seja menor (maior) que o esperado, o excedente em óleo que será compartilhado ex-post no caso da partilha gerará receitas maiores (menores) para a União do que o bônus de assinatura do contrato de concessão que é pago ex-ante e, portanto, não incorpora mudanças inesperadas naquelas variáveis.

Para mostrar isso, vamos ver dois casos: a realização mais otimista com uma quantidade de óleo em barris maior (200) ou menos otimista (50) do que a esperada (100). Na concessão, quando se realiza uma quantidade maior, há incremento das receitas do Estado geradas pela incidência da participação especial (suposta de 10%) e dos royalties (10%) sobre uma base maior de receita líquida, o que amplia a receita do Estado de $ 727, 27 para $ 872,9. Esse incremento, no entanto, é inferior ao da partilha, que não conta com a participação especial (de 10%)[2], mas conta com um compartilhamento do excedente em óleo de 51,47%. Esse valor superior do excedente em óleo relativamente à participação especial gerou um incremento maior em função da quantidade realizada maior que o esperado, que vai até $ 1.154,54.

Já quando a quantidade realizada é menor, os valores presentes obtidos pelo Estado são mais impactados no caso da partilha (foi para $ 513,63) do que na concessão (foi para $ 654,7). Ou seja, o Estado se beneficia mais na partilha quando as variáveis realizadas da quantidade, preço e custo apresentam valores melhores do que o esperado e melhor na concessão quando ocorre o oposto[3].

 

Quadro II – Quantidade Realizada Diferente da Esperada: Concessão x Partilha


Apesar desta equivalência, há uma diferença fundamental entre partilha e concessão. Dado que o governo ganha reais na concessão e óleo na partilha, foi elaborado um modelo para se comercializar este óleo. Afinal, o objetivo final do governo é obter reais e não óleo. Por isso, a Lei nº 12.351/10 (lei da partilha) criou uma empresa para realizar este passo da comercialização, a PPSA, a quem se entrega o excedente em óleo.
A´- Quantidade de óleo realizada (em barris)

No entanto, as funções da PPSA foram muito além da comercialização, gerando uma complexa estrutura burocrática na partilha que não existe na concessão, com grande ingerência na gestão do consórcio. De fato, o art. 21 da Lei da Partilha definiu que a PPSA integrará o consórcio ganhador da licitação como representante dos interesses da União no contrato de partilha. A administração deste consórcio ganhador caberá a um comitê operacional (art. 22) com representantes da PPSA e dos demais consorciados (art. 23). Cabe à PPSA (parágrafo único do art. 23) indicar metade dos integrantes do comitê operacional, inclusive o seu presidente, que terá poder de veto e voto de qualidade. E as competências do conselho operacional nos consórcios são muito significativas, conforme o art. 24 da Lei da Partilha.

Isso implica que no modelo de partilha, a influência da estatal PPSA é total, restando pouco para a iniciativa privada, comprometendo os ganhos que se esperam da parceria com o setor privado.

Pior do que isso, este modelo de governança reduz substancialmente a atração do pré-sal para os investidores privados dado que o peso da gestão estatal pode implicar ingerências fortes do governo de plantão. Em um contrato de 30 anos, seriam sete governos, com preferências e diretivas distintas entre si, o que pode influenciar de forma significativa a PPSA.

Isso implica que a “equivalência” partilha/concessão para efeito da renda do Estado não se verifica. A concorrência e, portanto, os lances tendem a ser muito maiores quando se tem controle do negócio, caso da concessão.

A relação do consórcio com o Estado deve se dar por meio da Agência Nacional do Petróleo (ANP), órgão com governança voltada justamente para fortalecer a relação de longo prazo com os investidores privados.

Em síntese, as vantagens alegadas da partilha sobre a concessão não se verificam. O discurso de que o Estado é “dono” do óleo ou do gás na partilha é falacioso pois não se vislumbra incremento da renda ex-ante nesse sistema comparativamente à concessão. A partilha apenas desempenha melhor relativamente às receitas do Estado quando as estimativas sobre quantidade, preço e custo do óleo são mais pessimistas do que as realizadas.

No entanto, ao agregar um passo a mais na comercialização dos produtos, além de burocratizar e politizar fortemente a relação dos consórcios com o governo via PPSA, a partilha se tornou um sistema disfuncional.

Caberia retornar à concessão nos futuros contratos, além de colocar tal regime como alternativa aos sócios nos consórcios dos contratos vigentes.

 

[1] Doutor em Economia. Consultor Legislativo de Economia da Câmara dos Deputados, Ex-Secretário de Advocacia da Concorrência e Competitividade (SEAE) do Ministério da Economia e Ex-Conselheiro do CADE.

[2] Note-se que, se o percentual da participação especial, que é escolhida no edital de licitação, fosse superior a este percentual de excedente em óleo, a conclusão mudaria.

[3] Naturalmente que se a participação especial for maior, as conclusões podem divergir.

 

 

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