Opinião

Incerteza e heurísticas

Aumentar a competitividade das empresas brasileiras é a ferramenta que vai habilitá-las a enfrentar a crise atual e as futuras

Atualizado em

Compartilhe Facebook Instagram Twitter Linkedin Whatsapp

[vc_row][vc_column][vc_column_text]

  • Por Telmo Ghiorzi

Imagine-se partindo para uma jornada com destino incerto. As poucas informações disponíveis levam-no à conclusão de que as possibilidades são conquistar o Ártico, atravessar o Sahara ou escalar o Everest. Considerando que seus recursos são escassos, que roupas, apetrechos e ferramentas você levará?[1]

A questão acima não tem respostas simples. Contudo, como afirma seu autor, se é possível construir cenários, a probabilidade de êxito na jornada é maior do que seria sob caos ou absoluta ignorância sobre o futuro. Para a formulação de estratégias, a construção de cenários é distinta de métodos como plano de contingências, análise de sensibilidade ou simulação computacional, pois leva em conta flutuações simultâneas de diversas variáveis. Em vez de extrapolar a condição presente, a criação de cenários permite combinar o que sabemos e o que ignoramos –as incertezas.

Cenários extremos, como os da questão acima, dificilmente ocorrem. Mas a análise deles permite obter indícios sobre as possibilidades intermediárias, mais prováveis, e assim adotar estratégias com maior chance de êxito frente aos desafios reais.

O Brasil passa por situação sem precedentes em termos de incerteza e volatilidade. Construir cenários extremos pode assim ser um exercício útil para formulação e adoção de estratégias eficazes no enfrentamento dos desafios que se aproximam. Considerando apenas dois fatores-chave, quais sejam a pandemia e os preços do petróleo, é possível conceber extremos sobre o que esperar da indústria brasileira de óleo e gás e seus principais elementos, as petroleiras e os fornecedores.

Em um primeiro cenário extremo, não surgem vacinas nem tratamentos eficazes para a Covid-19. Além disso, a imunidade de quem pega a infecção é passageira. Todos ficam sempre susceptíveis a adquirir a infecção mais de uma vez. Associado a isso, abundância e falta de consenso entre países produtores no sentido de reduzir produção leva a estabilidade dos preços de petróleo ao redor de 30 a 40 dólares por barril ($/b).

Esse cenário impõe necessidade de melhorar a infraestrutura nacional de saúde e de manter programas de renda básica. Por conseguinte, há déficits crescentes sobre as contas nacionais. A exportação de matérias-primas e outros insumos básicos passa a ser fundamental para o equilíbrio econômico do país.

A transição energética permanece uma tendência, mas a velocidade de sua implementação é reduzida, pois a disponibilidade de energia fóssil a preços baixos dificulta a adoção de energias alternativas. A iniciativa brasileira nascida com o Novo Mercado de Gás tem sua viabilidade colocada em dúvida. A opção da re-injeção e seus efeitos sobre aumento da produção de óleo cru, a baixa demanda interna e a disponibilidade de gás de fornecedores internacionais a preços módicos são desafios quase insuperáveis nessas circunstâncias. Contudo, se produzido com custos baixos, o gás do pré-sal pode tornar-se fonte de renda por exportação de Gás Natural Liquefeito (GNL).

As preocupações com a excessiva dependência da China geram onda global de internalização de mais elos das cadeias de suprimentos. As cadeias de valor passam a sofrer também tendência de internalização. Aprimoramentos nas ferramentas de interação virtual induzem a permanência de atividades de maior valor agregado –como P&D, engenharia, design, marketing, branding, serviços pós-venda entre outros– em países que sediam as empresas. As subsidiárias de multinacionais instaladas em países emergentes, como o Brasil, são direcionadas a realizar atividades de manufatura, montagens e serviços simples, apenas para atender a necessidade de nacionalizar cadeias de suprimentos. As empresas de capital nacional são também pressionadas a realizar atividades de baixo valor agregado. A competição com China e outros países de baixa renda permanece forçando redução de margens e salários nas empresas que realizam no Brasil atividades de baixo valor agregado.

Em razão dos baixos preços internacionais e da necessidade de exportar petróleo, o governo brasileiro é levado a reduzir tarifas de importação de equipamentos para assegurar a viabilidade econômica da produção local. A atividade local dos fornecedores fica assim cada vez mais pressionada, pois outros países têm também necessidade de manter empregos de baixa renda e adotam medidas com esse fim. A China, com o êxito de seu plano de passar de imitador e usuário de tecnologias para criador de novas tecnologias, passa a exercer, junto com outros países avançados, governança mais dura sobre as cadeias de valor. Dessa forma, empresas desses países passam a subcontratar de empresas brasileiras atividades de cada vez menor valor agregado, deixando atividades de manufatura sofisticada ou mais nobres dentro de seus territórios, preservando crescimento econômico local.

Em outro extremo, não menos desafiador, vacinas e tratamentos eficazes surgem e são disponibilizadas a todos em poucos meses. A imunidade de quem adquiriu a infecção é permanente. A retomada da economia induz demanda crescente por energia e consenso sobre modulação da produção de petróleo e necessidade de acelerar a transição energética. Por conseguinte, os preços do petróleo passam a flutuar na faixa de 60 a 70 $/b.

Os avanços associados à busca pela cura da Covid-19 e aos maiores cuidados com higiene levam à redução da pressão sobre o sistema de saúde, à reaproximação de pessoas e a um retorno vigoroso da indústria de viagens de negócios e turismo.

O novo patamar de preços viabiliza a retomada da exploração de recursos não-convencionais nos EUA, em Vaca Muerta e em outras regiões.

A materialização do Novo Mercado de Gás passa a ser urgente, para atender o aumento da demanda interna e preços internacionais crescentes. Lacunas regulatórias são rapidamente resolvidas e investimentos internacionais em infraestrutura de escoamento, transporte e uso do gás natural começam a se materializar. A possibilidade de exportar GNL é também viabilizada.

As preocupações com a excessiva dependência da China não arrefecem. Além de buscar nacionalizar e/ou alocar em diversos países mais elos da cadeia de suprimentos, as empresas passam também a buscar locais que não a China para sediar atividades das cadeias de valor. Segurança jurídica, capacitação da mão-de-obra local, avanço e diversidade do parque industrial local, infraestrutura de logística etc. passam a ser critérios ainda mais relevantes para selecionar países que vão receber atividades mais nobres das cadeias de valor.

Os cenários acima, bem como suas premissas e hipóteses acessórias, são, é evidente, apenas conjecturas. Embora plausíveis, a probabilidade de sua ocorrência é muito baixa. Além disso, ainda que os cenários construídos fossem menos incertos ou mais prováveis, conhecê-los não implica nenhuma dedução inequívoca sobre quais “roupas, apetrechos e ferramentas” seriam mais apropriados.

Para formular ou escolher “ferramentas”, é preciso aplicar heurísticas[2]: “estratégias plausíveis para situações incertas, potencialmente falíveis e nem sempre defensáveis”. A heurística explorada abaixo pode ser assim enunciada: “em situações desconhecidas, use estratégias de sucesso aplicadas em casos parecidos”.

O cenário que vivemos e que parece que nos acompanhará por meses ou anos é, afinal, sob alguns aspectos, parecido com o que vivemos de 2014 a 2018 – e em crises anteriores. A crise de agora coloca mais uma vez em evidência que sem alta competitividade, o segmento formado pelos fornecedores de bens e serviços pode ser profunda e negativamente impactado. A Petrobras, que opera cerca de 90% da produção local, está seguidamente superando seus recordes de exportação de óleo cru, o que mostra sua alta competitividade.

De fato, com a “ferramenta” competitividade em mãos, os fornecedores teriam enfrentado as crises anteriores e poderão enfrentar as crises futuras com mais segurança. Com essa “ferramenta”, as empresas locais terão seus bens e serviços adquiridos pelas petroleiras locais sem necessidade de regulações protecionistas. É por meio dela que as empresas brasileiras podem vender seus bens e serviços para países petroleiros da América do Sul e da África lusófona, para citar apenas dois exemplos, e assim amenizar os efeitos da crise. Além é claro de poder atender a demanda crescente associada aos avanços inexoráveis do Novo Mercado de Gás.

A competitividade das empresas, isto é, a habilidade ou capacidade de competir com outras empresas é consequência de dois grandes fatores. O primeiro diz respeito às empresas e suas rotinas e recursos internos. O segundo, ao estado e às regras que, ao mesmo tempo, estimulam progressos do primeiro fator e removem os entraves enfrentados pelas empresas em seus ambientes de negócio.

O primeiro fator é constituído por um estoque de recursos que promovem o desenvolvimento de inovações tecnológicas pelas empresas. Esse estoque abrange pessoas e seu conhecimento, recursos físicos como máquinas e softwares, e rotinas organizacionais. Esse estoque de recursos compõe as chamadas Capacidades Tecnológicas. São elas que, ao impulsionarem a geração de inovações, promovem a produtividade e, portanto, a competitividade das empresas.

São as Capacidades Tecnológicas das empresas que permitem que elas passem de meras usuárias de tecnologia para geradoras de tecnologia. Empresas usuárias estão sempre sujeitas às decisões das empresas geradoras. São estas que governam as cadeias de valor, isto é, que decidem onde e quem vai realizar cada atividade das cadeias de valor. São elas, portanto, que decidem onde o crescimento econômico vai residir.

O segundo fator é constituído pelo conjunto de regras implantadas pelo estado para estimular o desenvolvimento das Capacidades Tecnológicas das empresas e para prover condições favoráveis às empresas locais na concorrência com empresas de outros países. Essas condições têm de ser obtidas sem elementos protecionistas ou de reserva de mercado, pois eles são insustentáveis e acabam não contribuindo para o acúmulo de Capacidades Tecnológicas. Não se trata de o estado passar a realizar atividades produtivas, nem tampouco de adotar a inação como estratégia. A questão não é grau de intervenção do estado na economia, mas sim seu propósito. Ao estado cabe, por exemplo, prover a infraestrutura de educação e de logística. Mas é também fundamental que o estado adote regras tributárias, linhas de financiamento, promoção de empresas brasileiras em países-alvo e outros instrumentos que deem às empresas locais condições favoráveis perante empresas de outros países.

Embora persistam dúvidas sobre a intensidade e a duração da crise que se iniciou há poucos meses, parece imperativo aumentar a competitividade das empresas brasileiras. Pois é essa “ferramenta” que vai habilitá-las a enfrentar a crise atual e as futuras. Isso depende de ações conjuntas e bem articuladas entre o estado e as empresas. Estratégias empresariais direcionadas para acúmulo de Capacidades Tecnológicas e implantação de instrumentos que atendam os interesses das empresas locais precisam andar juntas e coordenadas para assegurar progressão contínua na competitividade das empresas e, por conseguinte, no crescimento econômico do país.

 

[1] Traduzido e adaptado de Schoemaker, P.J.H (2002) Profiting from Uncertainty: strategies for succeeding no matter what the future brings. The Free Press, New York, USA.

[2] Conforme definido em Koen, B.V. (203) Discussion of the Method: conducting the engineer’s approach to problem solving. Oxford University Press, New York, USA.

 

Telmo Ghiorzi é diretor de relações empresariais do Grupo UTC e diretor de relações institucionais da ABEMI. Pós-doutor em administração pública e de empresas pela FGV/EBAPE, doutor em economia pela UFRJ, mestre em engenharia de petróleo pela Unicamp e engenheiro mecânico pela UnB. Possui mais de 30 anos de experiência nas empresas Aker Solutions, Camargo Correa, Emerson, Shell e Air Liquide, onde atuou nas áreas de química, eficiência energética e óleo e gás.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_raw_html]JTNDZGl2JTIwcm9sZSUzRCUyMm1haW4lMjIlMjBpZCUzRCUyMm5ld3NsZXR0ZXItb3Bpbmlhby02ZWY3ZjBkYWRiMWJmYzA0YTA5MyUyMiUzRSUzQyUyRmRpdiUzRSUwQSUzQ3NjcmlwdCUyMHR5cGUlM0QlMjJ0ZXh0JTJGamF2YXNjcmlwdCUyMiUyMHNyYyUzRCUyMmh0dHBzJTNBJTJGJTJGZDMzNWx1dXB1Z3N5Mi5jbG91ZGZyb250Lm5ldCUyRmpzJTJGcmRzdGF0aW9uLWZvcm1zJTJGc3RhYmxlJTJGcmRzdGF0aW9uLWZvcm1zLm1pbi5qcyUyMiUzRSUzQyUyRnNjcmlwdCUzRSUwQSUzQ3NjcmlwdCUyMHR5cGUlM0QlMjJ0ZXh0JTJGamF2YXNjcmlwdCUyMiUzRSUyMG5ldyUyMFJEU3RhdGlvbkZvcm1zJTI4JTI3bmV3c2xldHRlci1vcGluaWFvLTZlZjdmMGRhZGIxYmZjMDRhMDkzJTI3JTJDJTIwJTI3VUEtMjYxNDk5MTItOCUyNyUyOS5jcmVhdGVGb3JtJTI4JTI5JTNCJTNDJTJGc2NyaXB0JTNF[/vc_raw_html][/vc_column][/vc_row]

Outros Artigos