Opinião

Preços de petróleo, movimentos geopolíticos e taxas de juros negativas: o mercado internacional e as oportunidades no Brasil

Em um cenário de implicações estratégicas e um ambiente competitivo mais diversificado, o nível de atividade brasileira petrolífera deverá crescer

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Não há contra-argumento de que o pré-sal brasileiro seja um ativo de classe mundial – o play possui os melhores reservatórios em águas profundas do mundo, tanto em termos de produtividade quanto de escala. Tal fato trouxe lances agressivos nos leilões anteriores ocorridos no Brasil. Dessa forma, os resultados dos últimos certames (ocorridos nos dias 06 e 07 de novembro de 2019) não significam que o interesse no país esteja diminuindo. Os departamentos de E&P (exploração e produção) das empresas criaram portfólios extensos que estão apenas começando a ser testados. Espera-se um aumento na perfuração de exploração nos próximos anos e é possível que o setor aguarde esses resultados antes de iniciar uma nova onda de captura agressiva de novas áreas. Dessa forma, os interesses internacionais no setor petrolífero brasileiro se explicam por uma geologia favorável, altas taxas de sucesso exploratório e de produtividade de poços, mas não se encerram aí.

O país hoje se configura de forma quase que oposta daquela em que se encontrava em 2014, quando uma tempestade perfeita atingiu o setor petrolífero, com preços de cru achatados, crise no mercado internacional, operação lava-jato, alto endividamento da estatal brasileira e desmantelamento de toda cadeia produtiva nacional. A situação hoje é quase inversa. O cru estabilizado em torno de 60 dólares o barril há alguns meses (salvo situações pontuais), a produção nacional em ramp-up com três milhões de barris por dia com campos de impressionantes níveis de produtividade como Lula e Búzios e a Petrobras com um frenético plano de desinvestimentos que a levou, entre outros fatores, a um lucro de nove bilhões de Reais no terceiro trimestre de 2019. Programas governamentais de incentivo à entrada de novos players em todo segmento, do upstream ao downstream, como a venda de campos maduros, venda de campos terrestres, incentivo a operações do tipo gas-to-wire e incremento da exploração de campos terrestres, como o REATE, além da venda de refinarias, colocam o Brasil como destaque no cenário internacional pela quantidade de oportunidades que oferece. Sem mencionar todos os esforços envidados no destravamento do mercado de gás natural, buscando coadunar oferta, demanda e regulação em busca de um energético abundante e barato (Reuters, Brasil Energia, FGV Energia, 2019).

Entretanto, esta análise não se pauta apenas no cenário nacional para destacar a posição brasileira. Ao se avaliar o entorno estratégico nacional, e até os demais países costumazes recebedores de investimentos no setor de hidrocarbonetos, percebe-se que as opções se estreitaram nos últimos anos. E este é o objeto deste artigo: analisar rapidamente a geopolítica internacional visando construir chaves de compreensão que apontem na direção do Brasil nesse momento. Para tal serão analisados rapidamente os cenários chinês, latino e norte-americano, saudita e europeu, olhando o setor petrolífero de forma macro, derivando daí os desafios brasileiros para a próxima década[1].

Uma análise inicial mostra uma grande concentração de poder entre Estados Unidos, Rússia e China, três grandes potências mundiais dominantes da política internacional. Ao se agregar Arábia Saudita, partes da Ásia, Coréia do Norte, diferentes partes da Europa e o México, conforma-se 50% do PIB, 60% das despesas militares e 50% das emissões mundiais de CO2  (IHS, 2019).

 

Fonte: IHS Markit, 2019.

 

China

A guerra comercial entre Xi Jinping e Donald Trump divide o globo entre os que a acompanham aterrorizados e os que a acompanham incrédulos. Os princípios chineses de lentidão e cautela colocam a economia do país hoje como o segundo maior consumidor de petróleo do mundo, importando cerca de 60% do total. Tais princípios ditam que a questão de segurança energética é premente na China, de tal sorte que o país se calça de uma série de projetos para garanti-la. Estes vão desde inúmeros investimentos em energéticos em outros países – como no pré-sal brasileiro, por exemplo[2]  – quanto na garantia de passagens marítimas físicas pelo estreito de Malaca (entre Malásia e Singapura) - principal rota de óleo para a China dos navios do Golfo - ou pelo string of pearls, ao sul da China, região conhecida como Indochina. Pelo estreito de Malaca, por exemplo, circulam 16 MM de barris de petróleo por dia, 16% do comércio de petróleo mundial, tanto em direção a China, como em direção ao Oriente Médio e ao Oceano Pacífico. Garantir o abastecimento, assim como o escoamento da produção chinesa de mercadorias, é prerrogativa chinesa, ainda mais em tempos de guerra comercial com os Estados Unidos (China e EUA representam 40% do PIB mundial) (EIA, 2019).

O volume de óleo importado pelo país tem influenciado o preço no mercado internacional mais do que os cortes de produção da OPEP+[3] e mais estruturalmente do que movimentos terroristas (como o ataque à refinaria na Arábia Saudita em setembro de 2019). Todas as atenções se voltam para os humores do mercado chinês quando se trata de preços do cru e investimentos internacionais.

América-Latina

A América Latina está atravessando um momento turbulento, passando a impressão de que algo está fora de ordem nas democracias. A combinação de autoritarismo político e economia de livre mercado não é nova na América Latina. Separar a liberdade econômica e política pode parecer um atalho para o desenvolvimento, mas na região a demanda por um governo forte tem competido com um persistente desejo de liberdade.

O processo civilizatório depende de um jogo paciente e dialético entre duas instituições fundamentais: a urna e o mercado, que exige  que elas sejam independentes entre si, o que não é um problema trivial nos países latino americanos.

O clima de instabilidade política afasta os investimentos dos países, em especial no setor de hidrocarbonetos. Na Colômbia está instaurada uma crise de popularidade do governo e em andamento uma politica energética que prima por investimentos em não-convencionais, sem contar com todos os problemas que advém do narcotráfico no país (Monaldi, 2019).

Na Bolívia a polarização das disputas eleitorais e as incertezas acerca das reservas provadas de gás prejudicam os acordos internacionais, em especial o de importação de gás para o Brasil através do gasoduto Brasil-Bolívia (hoje de 30MMBtus/dia a 8,66USD/MMBtus)[4].

No México, o presidente em exercício desde primeiro de dezembro de 2018 suspendeu as rodadas de licitações de áreas de exploração alegando necessidade de revisão dos contratos.

A Venezuela, maior reserva comprovada de petróleo mundial (300 bilhões de barris), atravessa uma longa crise político-econômica-social que levou à derrocada a indústria petrolífera a partir do Governo Chavez. O presidente enxergava no petróleo venezuelano um instrumento capaz de gerar influência por meio da dependência. O que ele não contava era com a super oferta da commodity no mercado internacional, que removeu seu poder de influência. Ofertantes e demandantes se reorganizam diariamente em um mercado inundado de hidrocarbonetos e com novos patamares de preços – low for long – conotando uma dinâmica de mercado totalmente diferente da que foi usada nas estratégias de governo da Venezuela. A falta de competitividade da Venezuela leva a uma extrema dificuldade de restauração de sua posição no mercado, e abre flanco para as exportações brasileiras (Monaldi, 2019).

O clima de instabilidade politica e a divisão entre o desejo de livre mercado e o estigma de governos ditatoriais no passado, deixam as populações latino-americanas divididas entre ter mais interferência governamental em suas economias, ou deixar a livre mão do mercado atuar.

Estados Unidos

O maior consumidor mundial de óleo cru hoje é um grande exportador graças ao fraturamento hidráulico que shiftou a geopolítica mundial em 2014, jogando os preços para baixo no mercado internacional e tirando de circulação aproximadamente 5 milhões de barris por dia que deixaram de ser comprados pelo país e passaram a ser produzidos localmente.

A assunção do presidente Donald Trump não chocou tanto os mercado mundiais quanto chocou as populações e pode-se dizer que hoje já é possível notar um desprezo populista da polarização tóxica que o presidente representa.

Os EUA produzem atualmente 12 milhões de barris por dia e consomem 19, o que o torna o maior produtor e o maior consumidor de óleo do mundo e, ainda assim, um grande importador. Essa importação vem, em sua maior parte, do Canadá, seguido da Venezuela – hoje reduzidas devido ao embargo imposto ao país, e da Arábia Saudita.  Os movimentos volumétricos americanos no mercado petrolífero internacional dão ao país poder de afetar os preços no mercado internacional e deslocar grandes quantidades de oferta. Adicionalmente, o shale gas disponibiliza uma significativa quantidade (e de forma flexível) de GNL na Bacia do Atlântico, o que influenciará as decisões de investimentos no mercado de gás brasileiro em relação a investimentos nas rotas de escoamento do pré-sal.

A guerra comercial de imposição de tarifas sobre os produtos importados da China pelos Estados Unidos reverbera positiva e negativamente em outros países do mundo. Para o Brasil, essa disputa fez com que fossem exportados 30% a mais de soja para a China, por exemplo. Mas, por enquanto, o conflito é mais retórico e limitado a ameaças de menor potencial.

Vale destacar que o país já se encontra em franca campanha para as eleições para presidente em 2020, onde os candidatos apresentam propostas radicais, à direita e à esquerda, com Donald Trump, pelos republicanos, e Elizabeth Warren, pelos democratas. A eleição de um ou de outro terá́ consequências muito diferentes para as empresas e é provável que isso leve a uma desaceleração ainda mais forte do investimento corporativo. Assim, pode ser que um aumento mais significativo do gasto público tenha de aguardar a realização de novas eleições e se dê em um contexto de aumento do nacionalismo e de novas retrações do gasto privado (FGV/IBRE, 2019).

Europa

Embora não conste no seu elenco de países nenhum grande produtor/ exportador de hidrocarbonetos, a Europa configurava como um destino garantidor e seguro para investimentos internacionais.

Contudo, a crise financeira de 2008, que freou a atividade econômica global e forçou os principais bancos centrais —dos Estados Unidos, Europa e Japão — a reduzir drasticamente os juros básicos de suas economias para minimizar os efeitos da crise levaram a um efeito nefasto em algumas economias europeias: taxas de juros negativas, o que repele o investidor internacional.

A lentidão econômica e a necessidade de incrementar o consumo interno faz com que o banco central europeu tenha que estimular a economia por meio de medidas de incentivo ao consumo, punindo a instituição financeira que deixa dinheiro parado na conta e oferecendo crédito barato.

Voltando a análise do setor petrolífero, os países europeus são dependentes, em sua maioria, do gás natural exportado pela Rússia por meio de gasodutos que os conectam pela Alemanha, pela Ucrânia e pela Polônia. Aproximadamente 50% do consumo europeu é abastecido pela Rússia, e, devido a complicadas questões politicas passadas, a Europa vive em constante busca por novas fontes de abastecimento que reduza a dependência russa, por isso o constante investimento em energias alternativas como a solar e a eólica, assim como a forte alavancagem na energia nuclear.

Arábia Saudita

A segunda maior reserva de petróleo do mundo (266 bilhões de barris), segundo maior produtor (12 milhões de barris por dia) e membro líder da OPEP, está às voltas com a abertura de capital de sua estatal, Saudi Aramco. A privatização de apenas 5% da companhia poderia arrecadar mais de 100 bilhões de dólares, segundo algumas estimativas. O país líder da OPEP é conhecido por sua capacidade de inserir e recolher, tempestivamente, quase dois milhões de barris de óleo cru por dia, se utilizando do ajustamento da oferta como instrumento de controle de mercado.

A longeva relação reserva sobre produção da Arábia Saudita indica que o país tem aproximadamente 60 anos ainda de produção de petróleo, o que faz com que, para o Reino Saudita, seja interessante uma posição de extensão de vida comercial de seus campos ao máximo, e serem a favor de preços moderados para não viabilizar novos energéticos na matriz mundial.

Na Arábia Saudita as exportações de petróleo representam 90% das receitas de exportação, 70% das receitas estatais, e 40% do PIB, o que mostra que o país coloca todos dos seus “ovos” em uma mesma cesta – uma cesta vulnerável e dependente e que sustenta uma população humilde e uma elite milionária – e um alto grau de falta de diversificação econômica (FGV Energia, 2018).

Atualmente os países membros da OPEP detém aproximadamente 70% das reservas provadas mundiais, 40% da produção e 50% do comércio internacional, e alguns severos desafios à manutenção dessa posição como: a crescente oferta de produtores não-OPEP, novas explorações e descobertas feitas por pequenos produtores, melhores tecnologias de perfuração e exploração capazes de cortar custos de operação e reduzir preços – em especial a ameaça do fraturamento hidráulico, e ciclos econômicos e recessão nos países importadores, o que pode criar padrões voláteis de demanda (EIA, 2018).

Adicionalmente, o evento de 14 de setembro desse ano, os ataques às refinarias da Saudi Aramco, levaram a um spike nos preços no mercado internacional (atingiram 69 dólares o barril) e a algumas considerações políticas para o Oriente Médio. Algumas das perguntas postas no cenário saudita foram: onde está o apoio dos Estados Unidos? Quem são os aliados do governo de Salman bin Abdulaziz Al Saud? Como buscar uma solução pacífica para o alinhamento entre Rússia e Irã? O ponto aqui é o equilíbrio de poder no Oriente Médio, parte fundamental para o suprimento global de energia. Movimentos geopolíticos disruptivos nessa parte do mundo, com economias nuclearizadas, leva à questão: que país pode ser o ator responsável pela estabilidade na região?

E o Brasil?

O arcabouço analítico de onde se derivam os interesses internacionais pelo mercado petrolífero brasileiro incluem a produção em ascensão do pré-sal, as alterações regulatórias desde 2016, o programa de desinvestimentos da Petrobras em toda cadeia, a implementação da oferta permanente pela ANP, a diversificação de operadoras – inclusive no pré-sal, a manutenção do calendário de rodadas e o sucesso exploratório da cessão onerosa.

Em um cenário de implicações estratégicas e um ambiente competitivo mais diversificado, o nível de atividade brasileira petrolífera deverá crescer até 2025 devido às múltiplas bacias e plays, e aos incentivos do governo (MME/CNPE/ANP).

O Brasil atrai a atenção dos investidores pelo porte de suas reservas demostradas pelas maiores descobertas do mundo no play do pré-sal, configurando uma ampla gama de oportunidades, permanecendo a bacia de Santos como o principal atrativo em águas profundas do Brasil assim como componente majoritário de leilões futuros. Na bacia de Campos, os blocos arrematados recentemente aumentarão a atividade exploratória na bacia, além de todo o processo de rejuvenescimento desta implementado pela Petrobras e por novos entrantes.

Apesar do pouco pragmatismo da política externa brasileira, e de algumas doses de falta de sensatez com gestos simbólicos e pautas externas ideológicas, o país aponta para um clima de estabilidade e transparência que se contrapõe a riscos geopolíticos dos outros países destinos de investimentos em óleo e gás. Ademais, o continente europeu enfrenta um cenário desfavorável de taxa de juros negativos o que, como já mencionado, espanta o investidor internacional.

Entretanto, a agenda liberal do governo brasileiro é um bom sinal, mas por enquanto sua política energética parece muito focada no bônus de assinatura do excedente da cessão onerosa, deixando para espaços secundários iniciativas de incremento do potencial onshore, por exemplo. Além disso, os desafios brasileiros versam em torno da dificuldade do Doing Business, da definição do papel da Petrobras como determinante para a atração de novos investimentos, assim como os desinvestimentos da estatal em áreas fora do core do portfólio, que são chave para alavancar empregos e dar diversidade à indústria fornecedora local.

 

[1] Relevante destacar que, segundo a FGV- IBRE (2019), o FMI acaba de reduzir suas projeções de crescimento para a economia mundial, projetando expansão de 3% para este ano, a menor taxa desde a Grande Crise Financeira. A retomada em 2020, porém, está na dependência de uma melhora de desempenho em alguns emergentes: Brasil, México, Rússia, Argentina, Turquia, irã e Venezuela, em especial.

[2] http://www.anp.gov.br/noticias/5363-r16-dezessete-empresas-inscritas

[3] Países da OPEP mais a Rússia

[4] https://fgvenergia.fgv.br/sites/fgvenergia.fgv.br/files/coluna_opiniao_abril_-_brasil_bolivia_e_argentina_v2.pdf

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