Opinião

Reservas e estoques de petróleo: majors, especulações e a Covid-19

Análise sobre a dinâmica e o comportamento especulativo de reservas e estoques de petróleo

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A discussão sobre o excedente de oferta de petróleo no mundo face à retração da demanda (Figura 1) levou os estoques de óleo cru às manchetes de todos os jornais no final de abril de 2020. O estresse máximo do mercado culminou em preços negativos na realização de alguns contratos nos Estados Unidos e causou percepções como o fim da era do petróleo, ou o derretimento dos mercados e afirmações descasadas de fundamentos que contaminam os agentes econômicos com equivocadas percepções.

Figura 1: Oferta e demanda de petróleo

Fonte: Artic, 2020

 

A partir disso, entender a dinâmica e o comportamento especulativo de reservas e estoques de petróleo se torna relevante para clarear questões como: qual a diferença entre reservas e estoques de cru, e seus comportamentos em um mercado especulativo? Por que não há capacidade de armazenamento suficiente no mundo? Qual o comportamento especulativo dos agentes desse mercado, em especial as grandes empresas de petróleo?

A IHS Markit (2020) estima que a diferença entre a oferta e a demanda mundial de petróleo (líquidos) será de 7,4 milhão de barris por dia no primeiro trimestre de 2020 e de 12,4 no segundo trimestre de 2020. Esse diferencial soma um excedente de 1,8 bilhão de barris no primeiro semestre de 2020. Isso excede o limite superior da capacidade de armazenamento disponível de petróleo bruto no mundo, que é de 1,6 bilhão.

Isso significa que devido à falta de armazenamento, mais produção será cortada ou interrompida do que o previsto anteriormente. A vulnerabilidade à produção reduzida e/ou shut-ins não é uniforme em todo o mundo. Uma variável importante que moldará resultados específicos é o volume da capacidade de armazenamento doméstico disponível de petróleo bruto em relação à produção doméstica.

Com o mercado petrolífero a contango, especuladores entendem que há uma possibilidade de ganho futuro maior do que a do mercado spot em relação a ganhos com os preços do barril, e por isso se cercam de estoques, apostando no aumento dos preços. Há aqui, portanto, que se ressalvar a diferença entre estoques e reservas para uma companhia de petróleo.

A produção de países e empresas está diretamente relacionada à quantidade de reservas que estas possuem. Reservas são os ativos ainda não produzidos. O óleo ainda não extraído e não processado. Empresas com grandes reservas e operações de baixo custo não costumam investir em capacidade de armazenagem. As reservas provadas de petróleo são aquelas quantidades de óleo que, pelos dados de geociência e de engenharia, podem ser estimadas com razoável certeza de serem comercialmente recuperáveis, a partir: de uma determinada data, de recursos conhecidos e sob condições econômicas, métodos de operação e regulamentação governamental previamente definidos e conhecidos.

Figura 2: Reservas de petróleo das empresas de petróleo em 2018

Fonte: Credit Suisse, 2019

 

Os cálculos estimados das reservas de petróleo são preparados por vários motivos e com diferentes finalidades, sendo o objetivo principal servir para serem usadas como garantia para a obtenção de empréstimos bancários e para mensurar o tamanho do patrimônio da empresa, pois significam quanto tempo de fluxo de caixa futuro aquela empresa ainda tem pela frente.

Já os estoques são ativos físicos de óleo já produzido. Estoques nunca são ativos de fácil administração por serem custosos em CAPEX e em OPEX. A operação padrão de uma empresa de petróleo é, praticamente, just in time. Adicionalmente, a simples manifestação de informações como estoques de petróleo cru revelaria muito da estratégia da empresa e o que ela aposta como sendo seus objetivos futuros.

Dessa forma, traders de todo o mundo estão apostando em estoques flutuantes. Ditos estoques não são necessariamente estoques especulativos, mas certamente estão se aproveitando de uma condição de baixa de marcado, à espera de uma situação futura mais propícia à venda desses ativos[1].

Os armazéns onshore também estão no máximo de sua capacidade e a demanda está extremamente deprimida, o que só pressiona o preço pra baixo. A disponibilidade de armazenamento será um fator maior na determinação de onde a produção será cortada, em vez de apenas reduções de custos operacionais, pois há riscos de interromper a produção por razões puramente econômicas, ou como em alguns casos, causar danos ao reservatório.

Já em relação a países, é importante observar que se mede a vulnerabilidade de armazenamento calculando quantos dias da produção doméstica de petróleo podem ser colocados no armazenamento disponível. Segundo dados da mesma consultoria (IHS Markit, 2020), por exemplo, a Nigéria é a mais vulnerável entre as áreas analisadas. A produção diária estimada de 1,9 milhão de barris por dia no primeiro trimestre de 2020 preencheria o armazenamento local disponível em 1,5 a 2 dias.

Entre os três maiores produtores de petróleo, a Rússia tem a menor quantidade de capacidade de armazenamento disponível - cerca de oito dias. A Arábia Saudita tem 18 dias e os Estados Unidos têm 30 dias (Figura 3).

Figura 3: Dias de estoques domésticos disponíveis nos países

Fonte: IHS Markit, 2020

 

Para as empresas de petróleo, uma varredura nos balanços de algumas majors revelou possibilidades especulativas futuras, uma vez que apenas algumas contam com óleo em suas declarações de patrimônio. Como mencionado, estoques especulativos não são uma prática usual das grandes empresas de petróleo, levando a considerar a possibilidade de que os estoques atuais destas sejam praticamente acidentais devido à conjuntura atual do mercado.

Pelos dados compilados na Tabela 1, a Exxon, por exemplo, declarou em 2019 que possuía US$ 14 bilhões em cru, derivados e mercadorias. Abstraindo de forma grosseira um terço para cada um dos elementos, e a preço médio de US$ 50/bbl (preços médios de 2019), teriam o equivalente a 93 milhões de barris de estoques.

Tabela 1: Estoques de óleo cru major oil companies, em milhões de dólares

Fonte: Elaboração própria a partir de dados acima

 

A Chevron tem, em sua declaração de 2019, US$ 3 bilhões, o que pelo mesmo exercício acima equivaleria a um estoque de 74 milhões de barris.  Já a Shell, por exemplo, tem o maior valor declarado de estoques, US$ 22 bilhões, o que representaria 453 milhões de barris.

A Petrobras declarou US$ 4 bilhões de dólares em estoques de cru, o que significam algo em torno de 80 milhões de barris armazenados. Vale a ressalva de que uma boa parte dessa carga se destina  àprodução de derivados nas refinarias da companhia (que hoje operam a 50% de suas capacidades, em média).

A questão é que estes barris foram produzidos quando valiam aproximadamente US$ 45-50 no mercado externo e desde o início da pandemia da Covid-19 atingiram valores estressados de negativos US$ 34 por barril. Nesse cenário a Shell se encontra em uma situação das mais vulneráveis ou das mais vantajosas. Se o mercado realmente desempenhar o futuro mais favorável, e houver uma retomada de demanda, a empresa sairá na frente das demais com a disponibilidade de estoques para venda. Nesse cenário de superoferta e demanda cada vez mais deprimida, não há muita opção além de aguardar e apostar em dias melhores.

 

[1] Um mapa mundi muito difundido nos últimos dias mostra o que se imagina serem navios tanques, em sua maioria repletos de petróleo, parados ao redor do mundo. Embora o óleo hoje tenha um valor menor que zero no mercado contratado norte-americano, mantê-los nessas condições (detidos) custa cerca de 30.000 dólares diários.

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